Tema 1. Sobre a assistência farmacêutica
O acesso a medicamentos
essenciais é questão importante na política de assistência farmacêutica
inserida nas políticas de saúde. A complexidade da utilização de fármacos, na
prática, pode se constituir em problema de saúde pública, causando iatrogenia,
com elevado custo econômico e graves consequências para a saúde pública. A
prática da integralidade na assistência farmacêutica procura garantir a
promoção do seu uso racional, por meio de ações que disciplinem e orientem a
prescrição, a dispensação e a utilização dos medicamentos.
Segundo a OMS, existem
estudos que demonstram a morbidade e mortalidade relacionadas aos produtos
farmacêuticos. Estima-se que as reações adversas a fármacos estão entre as
maiores causas de mortalidade nos EUA. Além das reações adversas, problemas
relacionados ao tratamento farmacológico incluem abuso, falhas de tratamento e
erros na administração. Estudos realizados nos últimos anos descrevem
resultados adversos da farmacoterapia, resultando em cuidados médicos e custos adicionais.
As ações de reorganização
dos serviços de farmácia preconizam o desenvolvimento das atividades
técnico-gerenciais de forma adequada, incluindo:
- Prestar orientação individual e coletiva quanto ao uso correto de medicamentos;
- Realizar a dispensação de medicamentos;
- Realizar o seguimento da farmacoterapia, com ênfase na adesão ao tratamento, na vigilância de reações adversas e na efetividade terapêutica;
- Notificar a ocorrência de reações adversas para desenvolver a farmacovigilância;
- Integrar a equipe de saúde, contribuindo com informações sobre a organização da assistência farmacêutica no SUS e informações técnicas sobre medicamentos.
Apesar dos avanços, a
dificuldade no acesso aos medicamentos aparece como queixa importante na SMS-SP
e há necessidade de aprimorar os processos envolvidos. Os serviços
farmacêuticos do município apresentam diferentes condições de estrutura física,
de recursos humanos, de população atendida, de trabalho da equipe
multiprofissional e de oferta de serviços farmacêuticos aos usuários. São
serviços que atendem usuários de todas as procedências, ou seja, das próprias
unidades de saúde da SMS-SP, de unidades de saúde de outros municípios, de
serviços estaduais e de serviços de saúde privados. Juntas, as unidades da
SMS-SP dispensam, por ano, aproximadamente 30 milhões de produtos (fonte: Documento de apoio ao processo
de Planejamento Estratégico da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo, 2013).
Avalia-se que o perfil
de consumo de medicamentos na rede básica caracteriza-se pela prescrição
exagerada de algumas classes terapêuticas tais como: ansiolíticos,
antidepressivos, antiácidos, anti-inflamatórios. Deve-se, portanto, superar obstáculos
visando à melhor interação da assistência multiprofissional, adequada valorização
da logística, acesso a fármacos, foco na assistência integral. Ações voltadas
para o desenvolvimento institucional com a definição de protocolos e diretrizes
clínicas devem ser entendidas como indispensáveis pelos gestores, pois somente
o acesso a medicamentos não implica em obtenção de resultados positivos na
saúde.
1.1 A atual crise de falta de
medicamentos na rede municipal
Tem sido muito frequente, em maior
ou menor grau, a falta de medicamentos na rede de saúde do município. A
situação atual, entretanto, apresenta-se de maneira extremamente grave e é no
fundamental uma questão herdada pela atual administração. Não se chega ao ponto
da falta de medicamentos, na amplitude que se encontra já em janeiro/fevereiro,
sem erros graves de gestão, acumulados ao longo dos últimos 6 a 12 meses finais
da gestão anterior. Os erros de operação, que já davam sinais de grave crise no
último semestre de 2016, foram se sucedendo, em contínuo, com um processo de
desorganização da área de suprimentos. A área de suprimentos de medicamentos é
especialmente sensível ao fraco desempenho de gestão. Ela se caracteriza por
baixa governabilidade para uma intervenção rápida, visando à solução
emergencial de problemas. Isto porque envolve quantidades enormes de unidades
de fármacos, decorrentes do grande volume necessário para abastecer São Paulo, a
serem distribuídos em cerca de 600 farmácias, com porta aberta não só para os
usuários da rede municipal de saúde como para outros demandantes públicos e
privados. Há frequentes oscilações do mercado em relação aos itens
disponibilizados, há atrasos nas entregas, redução ou até mesmo retirada
indevida de certos produtos de um mercado extremamente monopolizado (lembre-se
do exemplo da penicilina benzatina). Os erros de planejamento, atrasos em
disparar e processar as compras e retardo na entrega dos produtos pelas
fornecedoras comprometem o cronograma logístico, gerando retrabalho, compras e entregas
emergenciais, as quais elevam o custo operacional, e o pior, atendendo de forma
inadequada à população.
As boas práticas de gestão nessa
área exigem revisão, racionalização e agilização permanentes dos procedimentos e processos de compra;
qualidade da informação; esforços na atualização e higienização da lista
unificada de medicamentos, incluindo os devidos acertos da descrição dos
produtos que chegam a cerca de 480 itens. Há necessidade de revisão permanente
do cronograma de abastecimento – processamento do pedido, separação e despacho
para as unidades de dispensação. Em média, são abastecidas pelo menos 80
unidades por dia. Isso gera a necessidade de um monitoramento que possibilite distribuir
melhor os itens em estoque entre as unidades. Trata-se, no caso de São Paulo,
de uma enorme operação de compra e logística que se desenrola.
Tal processo de reestruturação da
área vinha sendo realizado até meados do governo anterior, inclusive com
consultoria externa, mas foi interrompido no terço final da gestão, quando já
estava produzindo sinais de melhorias. Interrompeu-se, paralelamente, o empenho
na qualificação de pessoas da área, o que acaba sempre produzindo um processo
de repetição dos mesmos erros, já identificados e conhecidos.
A intensa vulnerabilidade da
questão medicamentos gera permanente tensão nas UBS e há falhas graves na
operação, considerando as centenas de farmácias existentes, entre elas: unidades
com muita diferença ente o consumo médio mensal informado e o real; estoque
informado que não bate com o físico; locais onde ocorrem 800 dispensações com 2
técnicos/dia. Nesse contexto, a busca de ações alternativas e complementares
parece-me uma iniciativa que pode contribuir para reduzir a vulnerabilidade do
sistema. Se bem combinada com a forma de dispensação existente, melhor gerida e
retomando sua reestruturação, a utilização de farmácias da rede privada pode contribuir
para o acesso da população aos medicamentos essenciais. Por outro lado, a visão
apenas de substituição das farmácias das UBS pode resultar em pesados danos,
principalmente à população mais periférica da metrópole pelos vazios de
cobertura decorrentes. Soma-se a isso o fato de vários medicamentos serem de
dispensação exclusiva pela rede pública. Há que se analisar a possibilidade de,
em vez de fazer um complicado negócio com grandes redes de farmácia, optar por complementar
e racionalizar a sistemática atual. Entendemos que a própria SMS poderia
estruturar unidades-pólo regionais exclusivas para a assistência farmacêutica,
com atendimento em três turnos, incluindo sábados e domingos. Tais unidades deveriam
ser um complemento estruturante do sistema de assistência farmacêutica. Teriam
a responsabilidade de, além de atender o cidadão, coordenar um conjunto de
farmácias já existentes numa dada região, racionalizar, ordenar e equilibrar o
porte e os estoques e a oferta regional de medicamentos entre as farmácias
existentes. Quando necessário, acionar localmente farmácias privadas, visando a
complementar a oferta de produtos em falta. Um sistema mais ativo e dinâmico. Os
custos para contratar redes de farmácias substitutivas ao sistema atual, bem
como o sistema de controle e fiscalização que esse processo exigiria, são
certamente grandiosos. Lembre-se, ainda, que tal substituição das UBS não
resultará em ganhos econômicos, pois no sistema de logística atual os
medicamentos são mais um componente. Eles pegam carona no amplo processo que
inclui materiais médicos hospitalares, material odontológico, material de
laboratório, material de limpeza e escritório distribuídos regularmente para a
rede ambulatorial.
De qualquer forma, o planejamento de
alternativas precisa ser mais bem detalhado para um melhor juízo, incluindo
questões como: que forma combinada é possível? Como será o processo de regionalização
do acesso; o que resultará em termos de ampliação de custos esse novo sistema
de dispensação? Como será estruturado e operado o sistema de controle a ser adotado
de modo a permitir transparência na fiscalização e coibir possíveis fraudes?
Paulo de
Tarso Puccini
Médico sanitarista, doutor em saúde pública.
Médico sanitarista, doutor em saúde pública.
Secretário Adjunto da
Saúde do Município de São Paulo, jan/2013-jun/15.
Março de 2017
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