Quando a votação da regulamentação de uma emenda Constitucional para a saúde (a EC29), aguardada há mais de 10 anos, vira um instrumento de retaliação da Câmara Federal, tal o teor de contraposição aos interesses da área econômica de um Governo eleito para ser voltado ao social, realmente impõe-se o reconhecimento de que o SUS, com sua tentativa de viabilizar a saúde como um direito igual para todos os cidadãos, está seriamente ameaçado.
No final do governo anterior, Lula reconhecia a armadilha que a política pública de saúde tinha caído com o fim da CPMF. Muitos interesses se articularam para isso. Lula no início de abril/2010 afirmou que tentando prejudicar o governo os adversários eliminaram o imposto e atingiram, na verdade, a saúde da população. Advertiu também que, independentemente de quem viesse, precisaria encontrar formas de assegurar os recursos necessários para custear adequadamente essa área. Entretanto, aparentemente o atual governo não encontrou nenhuma forma e jogou para engavetar a regulamentação da EC29.
O mais grave: em ato contínuo a mais um adiamento da votação da regulamentação da EC29, dos tantos ocorridos nestes anos, a Câmara aprovou mais uma renúncia fiscal (dedução patronal de gasto com plano de saúde para empregado doméstico) em benefício dos Planos Privados de saúde, renúncia esta contrária ao princípio da saúde como direito social igual para todos, estabelecido na Constituição. O confronto entre o SUS como direito igual de todos e um SUS complementar dos planos privados nunca esteve tão intenso.
Ferido de morte pelo estrangulamento financeiro, com a voz asfixiada pelas intenções desorientadoras da falsa contraposição entre financiamento e gestão, a caminhada do SUS está diante de um recuo imposto por fora da Constituição e dos princípios jurídico-formais que o estabeleceram e o regem.
A estratégia de impor dificuldades em regulamentar adequadamente o financiamento federal teve êxito ancorada na condição política de que a descentralização serviu como um alívio dos conflitos, que deixaram de se acumular na cúpula do sistema, com todo o ônus político das limitações de recursos transferido, especialmente, para os municípios. Isto tem resultado numa política que favorece o crescimento dos planos privados de saúde. Os setores sociais e os interesses econômicos que organizaram uma resistência à tarefa do Estado em financiar e organizar adequadamente o direito de todos à saúde estão vencendo.
Neste início de século, pouco resta para realçar ainda mais a descoberta da vitalidade social da solidariedade e do valor civilizatório em considerar e distribuir a saúde como um direito social. Não obstante, os políticos e os governos não conseguem atribuir realidade a esses valores e caminham presos às lógicas financistas ortodoxas, ao tempo medíocre do imediato que não consegue superar o medo e a ação de “ficar apenas medindo o tamanho do gigante”.
É preciso urgentemente resgatar os valores que elegeram o atual governo e seus deputados e lutar contra essa tendência do início de um governo de muitas esperanças. É preciso fazer o luto pelo triste fim histórico dos políticos do tipo assessores da AMIL e dos partidos mentores dessas artimanhas que tentam impor tal destino ao povo brasileiro.
Senão, lá se vai a Constituição Cidadã no que ela tinha de mais transformador e objetivo.
Paulo de Tarso Puccini
6/7/2011
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