sábado, 30 de julho de 2011

Upa, até que enfim...

O Ministro Padilha, com a habilidade característica que tem marcado positivamente sua atuação, construiu uma importante decisão, reorientando aspectos da organização do SUS. O equacionamento de erros que se acumulavam no programa das UPA vai depender do alcance das mudanças que ora se anunciam e que merecem maior atenção.
As Portarias ministeriais nº 1600 e 1601 sobre a política de assistência às urgências e emergências, começam a reorganizar a proposição das UPA e a fazer o caminho de volta ao bom senso, abdicando dos equívocos técnicos da idéia de “unidade salsicha” e da baixa otimização dos gastos financeiros que representaram tal proposta no formato de cunha então proposto.

Certamente, vencendo paixões dos seus formuladores que incentivaram sua adoção por políticos, os quais passaram a utilizá-la como marca administrativa e eleitoral, a tarefa de reconduzir a questão da assistência às urgências e emergências ao “centro da meta’’ teve certamente que apaziguar uma inflação de vaidades aferradas às ideias originais.

A intenção original defende a interposição dessa nova unidade entre as Unidades Básicas de Saúde e os Prontos-Socorros (isolados ou intra-hospitalares) e a um só golpe pretendia, também, responder com “resolubilidade, humanização, ambiência e acolhimento” uma demanda que se caracterizou como de “urgências simples”. Não deu certo.

Não, não foi pelo número muito abaixo de unidades efetivamente implantadas em relação ao que se havia compromissado que não deu certo, mas porque a formulação técnica inicial era equivocada e precisava de correção de rumo, o que agora se inicia. Ou seja, não foi falta de fazer mais do mesmo, mas pela necessidade de se fazer de outra forma que as coisas não aconteceram como se imaginava.

O copyright do modelo das UPA pertence ao Município de São Paulo, que adotou programaticamente esse tipo de unidade intermediária, em 2005, para realizar um pronto-atendimento de “casos simples” sob a marca política dos Ambulatórios Médicos Assistenciais - AMA.

Em ambas, a questão primeira sobre as razões que justificariam esse novo tipo de unidade não tiveram a atenção necessária. Muitos técnicos sempre questionaram se o tipo de unidade denominado de pronto-atendimento, organizado para prestar um serviço específico para demandas “simples”, que adota como forma de trabalho médico o contato pontual em unidade simplificada de urgência, resultando inapelavelmente a um atendimento de baixa qualificação e baixa resolubilidade, seria um tipo de serviço capaz de pronto atender de forma integral e adequadamente às pessoas que procuram um primeiro atendimento imediato por um motivo qualquer de urgência ou emergência.

É forçoso se questionar: por que não resolver essas demandas no âmbito da organização do processo de trabalho da unidade básica de saúde (porta aberta, incluindo a demanda espontânea) ou do pronto-socorro com os seus conjuntos de definições e exigências técnicas e profissionais e, ainda, evitando-se a duplicação de gastos com novas unidades intermediárias? Na forma proposta, gastam-se recursos com novas unidades que tem se prestado à sucção de responsabilidades inerentes à atenção básica integral, desenvolvendo um modelo de assistência que repara tal dificuldade técnica focando na queixa-conduta. E pior, faz isso sem os regramentos e experiência dos muitos prontos-socorros existentes, deixando-os ao largo das suas imensas dificuldades viventes.

A idéia de grave para o usuário tem a ver mais com o temor (que não é ilusório) de uma situação que, sem resposta, poderia ter consequências sérias para sua vida ou a de seus familiares, ao passo que para os profissionais de saúde a idéia de grave (na prática concreta da urgência e emergência) é mais sentida como razões importantes que levariam a um proceder técnico especializado e imediato. Na percepção de uma médica de unidade de urgência emergência: “Se há na saúde serviços que não comportam visões holísticas, embora não sejam ‘ilhas’, são os de urgência, que devem portar características materiais e humanas que os habilitem a atender, em tempo hábil, pessoas em estado crítico e agudo [...]”.

No caso de um serviço limitado a um pronto-atendimento há um conflito crescente entre essas duas lógicas, pois a natureza do trabalho, pré-estabelecido como para “casos simples”, desmotiva a ação clínica abrangente e completa do profissional médico e estimula uma prática desidiosa. Estimula, por outro lado, que os usuários valorizem exageradamente um contato superficial e sem efetividade para a recuperação possível da saúde. Os profissionais e os usuários foram historicamente deseducados segundo esse tipo de produção-consumo dos serviços de saúde, especialmente desde o famigerado PPA do INAMPS (o atendimento do BAU), que com os AMA e as UPA originalmente propostas é reforçado de modo a preferirem um relacionamento pontual e repetitivo, sem um adequado acompanhamento e a possível solução dos problemas de saúde. Inverter tal significado tem sido um dos desafios do papel transformador esperançado para a atenção básica abrangente e integral.

Nessas condições, a proposição dessas unidades intermediárias configura-se como uma capitulação diante das dificuldades na organização da atenção básica, segundo os princípios do SUS. Em termos de concepção, não chegam para resolver o pronto atender na atenção básica, pois objetivamente não fortalecem a compreensão da necessidade vital da abrangência, integralidade e continuidade de cuidado a ela necessárias para a mudança do modelo assistencial.

Afora essas questões que sugerem caminhos para a organização do SUS, a prática social real nos ensinou que a adoção patrocinada desse programa vertical foi adaptada pelos municípios, com algumas disfunções para o sistema. Cite-se, como exemplo, que fruto da regra anterior, segundo a qual só era aceito o financiamento de novas unidades que se interpunham entre os serviços e se impunham ao sistema, observaram-se proposições pragmáticas que começaram a instalar “novas unidades” nas imediações de antigas que gradativamente eram esvaziadas, chegando inclusive a transferir PS já instalado no interior de hospitais para funcionar em novos prédios nas redondezas só para ter acesso aos financiamentos carimbados, o que econômica e gerencialmente não é medida das mais racionais.

Com as atuais Portarias, apesar de manter a idéia original de unidade intermediária, abrem-se outras possibilidades de financiamento. Assim é muito provável que, incorporando os conhecimentos técnicos desenvolvidos e os avanços conquistados, independente da pretensão teórica recitada inicia-se um processo inevitável de racionalização econômica, operando um canibalismo gerencial entre esses tipos de unidades. Ou seja, enfim se fará ver a absorção dos recursos e da assistência pelos serviços de pronto-socorro com a contenção da idéia de unidades intermediárias só para “pequenas urgências”. Qualquer que seja o nome que venham a ter essas unidades, novas ou reformadas, o que importa é a revalorização de unidades para casos necessários demandados (simples ou complexos), que passam a contar com possibilidades de maior qualificação da assistência às urgências e emergências, núcleo das preocupações expressas nessas portarias. Na outra ponta, tal reorientação resgata e impõe a necessidade de que realmente se desenvolva a atenção básica como coordenadora do cuidado, mas com a “porta aberta” aos problemas da população sob sua responsabilidade sanitária.

Paulo de Tarso Puccini
30/7/2011

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