Na prática do debate político é comum o expediente de embaralhar propostas em confronto para ocultar interesses reais. Esse método, que busca evitar a expressão de divergências, reduz o debate das alternativas a um pretenso consenso que não existe. Abdica de contextualizar as alternativas em disputa e oculta a essência das intenções com a hipostasia das suas aparências, repetindo à exaustão uma versão que tenta obscurecer os fatos.
Os 25%, estabelecidos na Lei Estadual nº 1.131/2010, não se referem ao objetivo do ressarcimento dos planos de saúde ao SUS, já devidamente regulamentado em Lei Federal, como tentam argumentar seus defensores, e sim ao quanto da operação do hospital público estadual poderá ser utilizada pelas Organizações Sociais (OS) para gerar receita via venda direta de serviços. Os defensores da Lei Estadual procuram contrabandear argumentos sobre a justeza do ressarcimento para um projeto de ruptura da universalidade com igualdade de acesso e da saúde como direito de cidadania.
A fixação dos 25% é incongruente e ilógica com o regramento já estabelecido para o ressarcimento e reveladora de outra intenção. O objetivo com o ressarcimento, já legalmente estabelecido para 100% dos atendimentos realizados aos beneficiários de planos de saúde e não apenas para 25%, é fechar um dos ralos por onde escoa recursos públicos da saúde, engordando a lucratividade das empresas de planos, que deixam de entregar aos seus beneficiários aquilo que venderam; já o objetivo com a proposição dos 25%, por vezes ocultado, é de outra natureza, visa a instalar nos serviços públicos de saúde, gerenciados por OS, um atendimento diferenciado (uma segunda porta até 25%) e uma boca de caixa para receber por isso.
São dois objetivos opostos: um ataca a questão do parasitismo privado na relação com o SUS e está em defesa do princípio da universalidade com igualdade de acesso à saúde; o outro valoriza a diferenciação do acesso das pessoas portadoras de planos de saúde (até 25%), quebrando os princípios do SUS fundados no preceito constitucional da saúde como direito social. Se efetivada essa norma, já questionada juridicamente, o hospital público vira de vez um negócio e o cidadão, portador de direito fixado na Constituição, é expulso da cena.
Neste sentido, é esclarecedora e oportuna a Resolução nº 253 de maio/2011 da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) que dispõe sobre os procedimentos do ressarcimento. Vale destacar três de seus artigos que evidenciam a contraposição entre o ressarcimento, disposto na Lei Federal nº 9.556/1998, e o disposto na recente Lei paulista dos 25%.
Fixando os mecanismos de identificação de atendimento a beneficiários de planos de saúde feito pelo SUS, a Resolução não deixa dúvida no artigo 4º que “A identificação é procedimento administrativo, de competência da Diretoria de Desenvolvimento Setorial – DIDES”, uma unidade da ANS. No artigo 5º esclarece que tal identificação “será realizada mediante cruzamento de bancos de dados", e no artigo 7º enfatiza que "A unidade prestadora de serviços ao SUS que comprovadamente utilizar mecanismos próprios para a identificação de beneficiários de planos privados de assistência à saúde, em prejuízo da universalidade de acesso de seus usuários, será representada aos órgãos de controle e avaliação do SUS".
Não podia ser mais claro o alerta para que não se confunda o ressarcimento com sistemática de venda de serviços. Caberá a todos os defensores do direto à saúde contribuir com a fiscalização dos desvios anunciados, como também exigir que a ANS, efetivamente, cumpra sua obrigação de cobrança do ressarcimento devido ao SUS.
Paulo de Tarso Puccini
2/8/2011
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